Título: Crisálida
Autor: Thife
Categoria: Concurso NFF III/2012, UA/RA; UA; Point of View (1st person - Liam Payne); Actor fic (One Direction)
Advertências: Nenhuma
Classificação: PG
Capítulos: 1 (one shot)
Completa: [X] Yes
Resumo: As coisas andavam estranhas na minha vida antes mesmo do unicórnio cor-de-rosa aparecer.
N/A: Essa fic é livremente inspirada no universo criado no RPG "Changeling:
The Dreaming". Por favor, não confundam com a nova versão do jogo,
"Changeling: The Lost". Elas não têm nada a ver uma com a outra quase
N/A²:
Se você é fã de Supernatural, ignore tudo que você conhece da série
sobre changelings. A definição aqui é bem diferente. Se você não conhece
One Direction, tente ler esse texto como uma HO, ok?
N/A³: Ouça com os olhos, leia com os lábios e deguste com o ouvido.
"Às vezes eu sonho com um bosque. E com um córrego manso e calmo que
cruza as árvores e alcança uma clareira. Há música no ar e eu posso
senti-la vibrando em minha pele. Uma canção de heróis e grandes
criaturas que o tempo apagou, uma melodia esquecida pelo tempo, jazendo
no fundo da minha alma querendo ser entoada. No bosque há vida, há cores
que nunca enxerguei. Há vozes que festejam e pés que celebram a
primavera das eras. E os donos desses pés e dessas vozes sorriem como se
nunca houvessem sido esquecidos, como se nunca houvessem sido exilados
de seu mundo. Eles são cor, são brilho, são a fantasia dos sonhos
infantis e dos desenhos pintados por mãos ingênuas que ainda se mantém
ligadas a esse mundo antigo e fantástico. E essas criaturas de sonho
celebram para se manterem vivas e lembradas. São sonhos da humanidade,
esquecidos sob a poeira das eras. São as fadas dos contos antigos, os
sátiros dos mitos ancestrais, a fé em tudo que é belo que a humanidade
esqueceu. São o que eu sou."
As coisas andavam estranhas na minha vida antes mesmo do unicórnio cor-de-rosa aparecer.
Podem
achar que eu sou louco, mas apenas falo a verdade. Acho que se eu
tivesse ido a um psiquiatra eu teria sido taxado de insano ou algo do
tipo. Mas eu não sou. Não sei bem quando começou, mas, desde que eu
consigo me lembrar, eu não sou como as outras crianças. Era sempre como
se eu me sentisse deslocado. Distante de mim mesmo. Eu sabia que não via
as coisas como os outros. E sabia que via as coisas que ninguém mais
via. Havia cor em tudo que eu olhava, mesmo no que não deveria ter cor.
Eu via bolas de luz colorida flutuando pelas ruas à noite como estrelas
particulares e poderia jurar que a minha professora da pré-escola tinha
grandes e esplêndidas asas de borboleta.
Eu acreditei por mais
tempo do que a maioria das crianças nos velhos contos de fadas, nos
sonhos de Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Eu me fantasiei de
super-herói por anos e sempre brinquei de faz de conta, sendo sempre um
grande herói a empunhar uma espada feita de pedras da lua. Eu tinha uma
necessidade inexplicável de acreditar em tudo que era imaginário e toda
vez que alguém me dizia que algo não era verdade, que era apenas uma
história, eu sentia uma parte de mim morrer. Deixar de acreditar doía.
Por isso, eu nunca deixei de acreditar, ainda mais depois de ver um
coelho acenar para mim no jardim e indicar onde ele havia escondido ovos
brilhantes de chocolate doce como o elixir da vida.
Eu tive mais
amigos imaginários do que poderia se esperar de uma criança normal.
Mas, diferente das outras crianças, eu sempre soube que eles existiam
porque eu queria que eles existissem. E apenas por isso, eu sempre soube
que eles estavam ali e não estranhei quando meu pai encontrou sinais
das pegadas do Tuggie, na neve do quintal depois de um Natal
especialmente nevado. Ele, obviamente, disse que deveria ter
sido algum roedor qualquer, mas eu sempre soube que ratos não deixavam
pegadas de seis dedos que brilham como cristal sob a luz do sol.
Eu
sempre fui o tipo de garoto que poderia ser encarado como infantil se
as pessoas prestassem atenção em mim. Não que eu parecesse ser, pois eu
passo a impressão de ser sério, centrado e tudo mais. Mas eu sempre
guardei escondido sob a minha cama os livros de contos de quando eu era
criança e há uma parede no meu quarto onde colei todos os desenhos de
quando eu era mais novo. São desenhos infantis, rabiscos coloridos em
uma folha de papel. Mas eu nunca deixei de ver beleza neles. Eles sempre
significaram algo para mim, como se eu ainda os visse com meus olhos de
menino. Eu os via como fantásticos dragões, valorosos guerreiros e
terríveis lobos gigantes a se digladiarem em planícies de grama que
brilhava como se feita de luar. Eles significavam alguma coisa em minha
alma e eu os olhava sempre com aquele fascínio com que as crianças
observam tudo. É uma curiosidade instintiva, um fascínio natural por
tudo, algo que nunca me abandonou.
Meu nome, aliás, é Liam Payne.
E todas essas coisas sobre mim que eu nunca entendi começaram a fazer
sentido em um dia que pareceu começar como qualquer dia normal. Logo que
acordei pude sentir o gosto frio do sereno matinal em minha boca e a
expectativa de mais um dia sorrir para os meus olhos que se abriam
lentamente. Sentia no ar o gosto de manteiga derretendo lentamente na
torrada e aquilo me deixou mais disposto para levantar.
Eu havia acabado de sonhar. O mesmo sonho de sempre.
Bosques, flores e criaturas dotadas de certa aura mística a cantar
canções que eu conhecia. Aquele sonho vinha se tornando mais e mais
recorrente e a cada vez que eu o sonhava, o sonho se parecia mais real e
a realidade um reflexo mais distorcido deste sonho.
Saí da cama e
encarei a mesma parede de desenhos que eu mencionei antes. Eu gosto de
acordar e olhar para ela porque isso me dá mais ânimo para levantar e
encarar as horas seguintes do dia. E, claro, encarar meu pai. Se você o
conhecesse talvez entendesse meus problemas com ele. Ou talvez não. Ele é
só um cara simples. Normal, eu diria. Ele tem um emprego em um
escritório que não poderia ser definido por outra palavra que não chato.
Mas ele não se incomoda com isso. Ele é completamente acomodado à
situação. Ele nunca aspirou a nada mais na vida, para ser sincero. Ele
nunca teve gosto pela aventura.
Ele sempre foi uma pessoa
prática, de certo modo até metódica. O certo é o certo e só devemos nos
ater àquilo que é realmente provável de acontecer. Há uma cartilha a se
seguir para ser bem sucedido na vida. Escola, faculdade, emprego
razoável, família, casa com garagem, longe do tráfego intenso do centro,
e o carro do ano. Não há espaço para grandes sonhos na vida real. Não
há lugar para desvios. Ficar correndo atrás de esperanças vãs é inútil.
Ele fizera questão de deixar isso claro quando eu tinha nove anos e eu
disse que queria ser cantor. Ele riu e falou que eu deveria para de
sonhar, focar nos estudos e tentar me esforçar para conseguir um bom
emprego e me dar por contente por isso. Mas eu sei que permaneceria
descontente. Vazio de algo que eu não sabia dizer o que era, mas que
faria falta.
Ele é o completo oposto da minha mãe ou da minha
irmã e acho que isso explica muito o fato de eu sempre ter me apegado
mais a elas. Minha mãe sempre tivera algum resquício daquela fagulha de
esperança no olhar, que queimava intensamente como um sol quando ela
ouvia minhas histórias ou via os desenhos que eu fazia. E Ruth ainda
tinha toda aquela ingenuidade das crianças pequenas, que acreditam que
qualquer explicação fabulosa sobre um fato é a verdade. Secretamente, eu
acreditava nisso tanto quanto ela.
Tomar café com meu pai foi
tão agradável como sempre. Ele, como de costume, não parecia se importar
com o gosto delicioso da torrada que mastigava com desatenção enquanto
lia a seção de economia do jornal matinal. Acho que ele nunca percebeu a
diferença incrível entre o gosto da manteiga normal e dela derretida.
Apenas mais uma das maravilhas da vida que ele não conhecia.
"Por
que você está usando capa de chuva se não está chovendo?", ele se
voltou para Ruth que comia seus ovos mexidos, brincando de fazer
desenhos com as gemas.
"Não é uma capa de chuva, é um vestido de
princesa!", ela respondeu, pondo-se de pé e dando um rodopio, no qual vi
luzir um vestido, com a cor das pétalas das flores que inundavam nosso
jardim, feito da mais delicada das sedas e ornado com imagens de
pássaros que alçavam voo e cantavam melodias com sabor de pêssego. Eu
não pude deixar de sorrir.
"Você sabe muito bem que isso...", ele começou
“Querido,
pode me passar a seção de artes?”, minha mãe interveio antes que ele
completasse a frase e eu e ela sorrimos cúmplices. O resto da refeição
foi feito quase todo em silêncio enquanto eu me perguntava como minha
mãe conseguia fazer ovos mexidos tão leves como o sabor das nuvens. Eu
estava me levantando para sair quando Ruth me segurou pelo braço,
retendo-me mais por seu olhar inocente e seu sorriso puro do que por seu
gesto.
“É para você.”, ela me entregou um desenho de um animal
que brilhava iluminado pelas cores do crepúsculo, uma imagem milhões de
vezes mais linda do que aquilo que estava disposto no papel, mas que eu
conseguia enxergar através da tentativa dela. Sorri fascinado com aquela
imagem exuberante que ela compusera para mim em sua cabeça.
“Eu achava que isso não tinha essa cor...”, meu pai começou a falar, mas eu logo o interrompi.
“Obrigado,
Ruth.”, falei, dando-lhe um beijo na testa e colocando o desenho que
ela fizera na mochila enquanto saía pela porta da cozinha. Aquele
pequeno gesto da minha irmã fez com que eu me sentisse bem – e leve –
como eu não me sentia há algum tempo, como se algo se acendesse em meu
coração e se espalhasse pelo meu corpo como uma onda.
O caminho
para a escola foi o mesmo de sempre. Eu ia de bicicleta como em qualquer
dia normal, mas naquela manhã o cinza do concreto parecia me esmagar
com mais força e, como nos dias em que meu espírito aventureiro estava
mais aflorado, eu saí da estrada e segui por uma das trilhas do bosque
que margeava a estrada velha. Era diferente a sensação de ver o cheiro
das flores do auge da primavera passando por mim e deixando em minha
pele a cor de seus perfumes. Eu me sentia conectado com aquele ambiente
livre do contato com o homem, de certo modo. Era como se cada galho de
árvore fosse parte de mim e suas folhas meus dedos, roçando o azul do
céu e sentindo o calor que uma cor tão fria poderia emanar. As árvores
passavam por mim em grande velocidade conforme eu desbravava a mata,
vendo apenas de relance algo que me lembrava grandes pilares de luz e
vida que se espiralavam como colunas gregas, ligando a terra e o céu,
como pontes a conectar dois mundos.
Eu sentia o vento cantar para
a pele do meu rosto a sinfonia dos pássaros silvestres que se
espalhavam entre os galhos das árvores. Fechava os olhos, sem medo. Meu
corpo parecia conhecer toda a sensação indefinível de fazer parte
daquilo. Quando eu fechava os olhos era como se eu pudesse realmente ver
as coisas como elas eram, como se minha imaginação visse tudo com mais
clareza que meus olhos. Via cada árvore transpirando vida, exalando o
cheiro dos amores que foram jurados sob suas sombras e gravados em suas
peles com palavras que na minha mente brilhavam como estrelas no céu
noturno. Via os resquícios dos passos das crianças rescenderem no chão,
sombras das aventuras que elas viveram, tementes das criaturas que
sonhavam habitar aquele bosque.
E a minha frente eu o vi. As
vestes ornadas de um grande senhor, com os detalhes mais ínfimos
bordados em ouro puro. Cada centímetro de seu manto era coberto com a
imagem de uma cena qualquer sobre um grande castelo de outrora, planando
sobre as nuvens, onde festas regadas a néctar, ambrosia e as demais
comidas e bebidas divinas eram organizadas, com torneios de cavaleiros
onde minha alma se projetava, como se eu quisesse desesperadamente ser
um dos guerreiros a empunhar uma espada e jurar lealdade a um escudo de
algum nobre. Sua face era como o retrato da beleza, aquela que não se vê
em nenhum rosto humano, o mesmo tipo de imagem que eu compunha em minha
mente quando imaginava os elfos ao ler os livros de Tolkien, mas
milhares de vezes mais bela e real. Ele estava parado a me olhar soberbo
e soberano e, conforme me aproximava, eu sentia a tentação de abrir os
olhos.
E a minha frente agora estava Zayn Malik, tão perto que se
eu não tivesse freado a bicicleta teria me chocado contra ele. Havia
surpresa no modo como eu o olhava, eu sabia. Talvez pelo choque de
encontrar alguém da escola naquela parte do bosque. Ou porque minha
mente cismasse em associar a imagem que eu imaginara de olhos fechados
com o garoto que eu via diante de mim. Mesmo de olhos abertos, minha
imaginação tentava se fazer prevalecer, a imagem do senhor nobre se
sobrepondo à figura do garoto que me olhava com certo espanto.
Zayn
era um garoto da escola onde eu estudava. Não exatamente qualquer
garoto. Ele sempre fora o típico garoto popular por quem quase todas as
garotas já tinham se apaixonado. Sério, centrado e indiscutivelmente
belo. Um tanto distante, a maioria das pessoas concordaria, mas
igualmente fascinante. Eu nunca trocara uma palavra sequer com ele.
Pertencíamos a mundos distantes demais dentro daquela escola. O capitão
do time de futebol e o presidente do clube de química não costumavam
passar muito tempo juntos. Talvez por isso eu estranhasse aquela
simpatia atípica e sensação de afinidade que eu via nos olhos dele.
"Plebeus
não deveriam andar por aqui a essa hora", ele disse e eu sequer
estranhei a forma como ele me chamou de plebeu. Apenas parecia o certo,
quase tanto quanto a reverência simples que eu lhe fiz. Era quase como
se houvesse algo magnético demais na presença dele para que eu
resistisse. Eu precisava mostrar respeito a ele, assim como só
poderia me erguer e seguir meu caminho com a bicicleta depois do gesto
de dispensa que ele me dirigiu. E eu voltei a correr contra o vento,
sentindo ao mesmo tempo uma sensação de confusão e completa compreensão
sobre o que acabara de acontecer.
Cheguei à escola ainda aturdido
pelo que havia ocorrido. As imagens sobrepostas de Zayn e do nobre de
minha imaginação vinham à mente, fazendo com que eu me sentisse cada vez
mais perdido. Ainda assim, como se meus sentidos estivessem ampliados
enquanto eu devaneava, não pude deixar de perceber uma pequena confusão
que se estabelecia em um ponto do pátio onde nenhum professor ou
responsável da escola parecia estar. Aproximei-me o suficiente para ver
Garrick, um imenso brutamontes metido a dono do pátio, ameaçando um
garoto menor, que se encolhia contra a lixeira, como se diante de algum
tipo de pesadelo.
Eu o reconheci no mesmo instante. Niall Horan
era um estudante de intercâmbio que estava estudando na minha escola mal
havia dois meses. Mesmo que não houvesse realmente grandes diferenças
culturais entre Glasgow e a área do rio Piddle, ele sempre parecia
deslocado naquele lugar. Era como se a ingenuidade que ele aparentava
ter não se encaixasse com o clima asquerosamente frio e sem vida daquela
escola. Sempre que eu o olhava sentia como se o compreendesse por se
sentir tão estranho naquele lugar. Eu mesmo me sentia um estrangeiro
ali. Em qualquer lugar.
Enquanto eu fitava a cena eu senti um
ímpeto de interferir e aconteceu a mesma coisa que já acontecera
milhares de vezes antes, mas à qual eu nunca me habituara. “Aja”, uma
voz exigiu em minha cabeça, a mesma voz que me atormentava desde criança
e me fizera pensar tantas vezes no quanto eu estava enlouquecendo. E a
frequência com que eu vinha ouvindo aquela voz – que por vezes parecia
mais a minha voz do que a minha própria – nos últimos dias fazia eu
duvidar cada vez mais da minha sanidade. Mas ainda assim, eu a ouvi.
Invadi
o círculo de pessoas que observavam a briga e me interpus entre Niall e
Garrick, desafiando o agressor com um olhar tão certo e seguro que eu
sabia que não seria meu normal. Mas parecia que todo o medo que eu
pudesse ter de apanhar havia me abandonado enquanto eu observava a face
dele, que a mim parecia feia como uma carranca, com aquela boca enorme
cheia de dentes pontiagudos cobertos de sangue luminoso, como uma fera,
um monstro saído dos pesadelos de uma criança. Sustentei ainda assim o
olhar daquilo, que me lançou um sorriso desdenhoso e sarcástico enquanto se afastava, lançando-se uma frase de deboche.
“O honrado cavaleiro veio ao socorro do pequeno serviçal?”
A
forma como ele enunciara “honrado cavaleiro” continuou a ressoar em
minha cabeça por um momento, como se ele houvesse dito aquilo, naquele tom,
de propósito. Virei-me, sacudindo a cabeça para esquecer Garrick, e
estendi o braço para que Niall se levantasse. Demorei a perceber que eu
estufara o peito e ostentava uma postura assoberbada, que logo tratei de
desfazer.
“Por que ele estava te importunando?”, levei a mão à
nuca enquanto, preocupado com o garoto de cabelos loiros, fitava o
irlandês limpar a sujeira da calça.
“Ele queria me devorar.”, ele
respondeu fazendo uma careta ao dizer isso e eu deduzi que “devorar”
deveria ser alguma gíria irlandesa para “dar uma surra”, mesmo que minha
mente tentasse concluir que Garrick seria capaz de devorar qualquer
coisa. “Estou em dívida com você”, ele anunciou com um olhar
momentaneamente subserviente, que me fez logo negar aquilo com um
movimento de cabeça.
“Apenas fiz o que era certo.”, respondi com
um senso de honra que pareceu nascer de mim tão fundo que eu estranhei o
tom pomposo como eu falara aquilo, mas o irlandês pareceu ignorar o que
eu dissera. Ele parecia ávido por pagar a dívida que tinha comigo, como
se estar em débito o perturbasse completamente.
“Tome.”, ele
disse, tirando do bolso e entregando a mim um broche feito do ouro
nascido dos próprios raios do sol, entalhado com pequenos cristais de
água do mar, com desenhos ornados de estrelas e flores a desabrochar.
“Conte sempre com a ajuda de Knutbark”, ele disse com um sorriso franco e
se afastou enquanto eu me perguntava se Knutbark era alguma divindade
do folclore irlandês, mas quanto mais eu pensava no nome, mais me vinha à
cabeça a figura de Niall. Não o Niall que eu acabara de ver exatamente,
mas uma imagem diferente que, ainda assim, eu sabia ser do estudante
irlandês.
Dei de ombros e abri a mão para fitar o presente que
ele me dera como agradecimento. Ergui a sobrancelha ao ver ali nada mais
do que uma simples borracha escolar branca. Talvez fosse alguma
tradição irlandesa agradecer às pessoas dando-lhes uma borracha. Ou
talvez o garoto fosse tão estranho quanto eu acreditava que ele era.
O
resto da manhã pareceu correr como deveria, embora eu tivesse a
impressão que eu não deveria estar vendo certas coisas. Vez ou outra eu
percebia certo brilho dourado sobre minha mesa e quando eu focava o
olhar tudo que via era a borracha que Niall me dera. Pensei ouvir o
resfolegar baixo de algum cavalo perto de mim, mas sempre que eu olhava
em volta não havia nada. Na aula de literatura eu podia jurar que via os
demais alunos da turma adquirindo as feições das personagens quando
liam suas falas na leitura em voz alta da Prof.ª Flack. Da mesma forma
eu podia ter certeza que as caixas mal feitas fabricadas na aula de
trabalhos manuais pareciam muito mais fantásticas ou elaboradas do que
realmente eram e uma, que eu sabia que não era mais do que quatro peças
de madeira muito mal pregadas, aos meus olhos parecia ser uma linda
caixa de joias ornada a ouro com uma mínima bailarina de cristal a
rodopiar em sua tampa. Conforme a hora do almoço se aproximava, mais eu
tinha certeza de que precisava de um psiquiatra. Com urgência.
Os
únicos momentos de pura lucidez que eu tive foram na aula de Ciências
Políticas do Sr. Cowell. E isso decididamente não melhorou meu humor. Na
verdade, enquanto estava naquela sala, eu sentia falta das alucinações
que visitavam minha mente, ouvindo-o falar de política e dando
explicações completamente banais para tudo que acontecia,
desestimulando os alunos sempre que eles davam alguma resposta. Por mais
que eu ali me sentisse mais preso à realidade, ao mesmo tempo sentia
como se algo frio penetrasse pela minha pele e corroesse lentamente a
minha alma.
Eu agradeci aos deuses quando o sinal tocou,
encerrando aquele tempo de aula. Eu nunca saí tão desesperado de uma
aula, como se o ar me faltasse e só longe do Sr. Cowell eu pudesse
encontrar novamente o oxigênio que meus pulmões exigiam. Eu estava tão
distraído andando a esmo para o refeitório que quase tomei um susto
quando um braço tomou o meu para si, como uma garota ao se deixar
conduzir por um rapaz para a pista de dança. Ergui as sobrancelhas ao
encarar o rosto sorridente e cínico de Louis Tomlinson.
Louis era
meu melhor amigo desde quando eu tinha quatros anos de idade. Como
éramos amigos? Essa é uma grande questão. Eu sempre fui o garoto quieto e
sério da rua onde morávamos enquanto Louis era o menino brincalhão e
astuto que sempre apontava alguma coisa. E sempre dava um jeito de me
envolver naquilo. Éramos tão diferentes que por vezes eu tinha a
sensação engraçada de que nos completávamos. Devido aos problemas que
vivíamos causando com nossas estripulias, meu pai considerava Louis uma
péssima influência e deu graças a Deus quando ele e sua família tiveram
de se mudar para uma casa menor do outro lado da cidade. Mas isso pouco
importou para gente, já que continuávamos a estudar na mesma escola –
ainda que Louis fosse um ano mais velho – e passássemos a nos visitar
com frequência. Meu pai passou a amaldiçoar o dia em que ele tinha se
mudado depois disso. Preferia a presença desconcertante de Louis
aprontando comigo na rua do que dentro da casa dele, ainda mais porque o Tomlinson fosse o maior fã da “ridícula colagem de desenhos bobos” que havia no meu quarto.
“Não
se esqueceu do que prometeu para mim hoje, não é?”, ele perguntou com
um sorriso de quem aprontava algo enquanto se abraçava ao meu braço.
Depois ele ainda se perguntava por que o povo da escola achava que
éramos gays.
“Claro que não, Louis.”, eu lhe respondi, lembrando de como ele me fizera prometer que ajudaria na montagem de mais uma
peça que ele estrelaria. Ele era, desde que eu me lembrava, fascinado
pela arte de fingir ser, motivo pelo qual ele não me causou espanto
nenhum quando disse que entraria para o clube de teatro. E, como ele
sabia que eu entendia bastante sobre técnicas de iluminação e acústica,
vinha se tornando cada vez mais frequente que ele me pedisse favores
para o clube. “Eu estarei lá logo que terminar de almoçar”, completei a
resposta logo em seguida. “Qual peça mesmo que vocês vão encenar?”
“Uma
adaptação de 'Alice no País das Maravilhas'.” Ele respondeu com um
sorriso animado enquanto eu pensava no quão irônico aquilo era. Eu mesmo
me sentia como se houvesse fumado um bom trago do narguilé da Largata
Azul. “Nos vemos depois do almoço, então.”, ele sorriu e se afastou e eu
demorei algum tempo para esboçar uma reação quando ele me deu um beijo
na bochecha.
“Ei, você não vai almoçar?”, perguntei intrigado, ao
que ele me respondeu tirando do bolso uma cenoura e acenando para mim.
Era engraçado como ele tinha uma estranha preferência por cenouras.
Atravessar
a porta do refeitório foi a mesma explosão de ruídos e cores de sempre.
Só que mais intensa. As fofocas do dia zumbizavam, voando sobre as
cabeças dos alunos e os planos para o fim de semana que se aproximava
corriam aos saltos por entre as pernas das pessoas. O gosto industrial
do pudim da sobremesa era sublimado ao se provar a primeira colherada do
manjar feito das maçãs do crepúsculo que ele se tornava na boca das
pessoas mais imaginativas. Um simples suco de soja com sabor de uva,
tornava-se o mais ébrio e fino vinho envelhecido no tronco da árvore da
vida enquanto a taberna se tornava o ponto de reunião dos cavaleiros
armados do time de futebol, que vinham do campo que se tornara uma
floresta repleta de ogros, onde eles impressionavam as donzelas nobres
da torcida.
Quando fechei a porta atrás de mim, o apetite
completamente dizimado ao ver os sorrisos sanguinários de Garrick e seus
companheiros, também trajando barretes vermelhos, direcionados para
mim, decidi que era melhor esquecer tudo aquilo e ir logo para o
auditório ajudar Louis como eu lhe prometera. Precisava de um lugar mais
calmo naquele instante e, talvez, a sala onde eu me isolava no
auditório enquanto mexia nas mesas de som e iluminação me ajudasse a por
as ideias no lugar. Apenas me iludi ao achar isso.
Ao adentrar o
auditório, eu não me vi mais na escola onde eu estudava. Havia céu azul
acima do palco e para além dele montanhas e vales se abriam para o
infinito do horizonte onde o sol se punha. Homens-carta se agrupavam e
discutiam rindo, tão finos como uma folha de papel. A Rainha de Copas
trazia nos olhos a loucura do poder, prestes a cortar a cabeça de
alguém, e a Lebre de Março ria com toda a falta de sanidade que parecia
me dominar. O Chapeleiro Louco, trajando um chapéu cujas abas púrpuras
giravam de maneira desordenada, conversava a um canto com o Gato de
Cheshire, cujos chifres de bode se pronunciavam tão claramente que mal
podia acreditar que se tratava de um gato e não um bode vestido de
felino. Sob minha pele algo ardia, como se uma força quente e poderosa
tentasse se libertar de uma prisão. Demorei demais para perceber que não
era minha pele que ardia. Era eu. Minha mente. Era como se ela estivesse prestes a explodir e se estilhaçar de vez.
Virei-me
assustado e eu devia estar extremamente pálido porque o Coelho Branco
me encarava de perto com os olhos arregalados, preocupado comigo. Ele
estava ali, tão ao alcance das minhas mãos que eu podia ter certeza de
que se tratava de um coelho de verdade. Eu podia ver os pelos brancos e
as íris avermelhadas e não havia como eu duvidar do que meus olhos
enxergavam. Era realmente um coelho ali. Minha mão avançou tão
rápido quanto meus dedos se fecharam em torno da orelha do Coelho,
quente e real como deveria ser.
“Ai! Para, você vai estragar meu
figurino!”, Louis protestou e eu percebi de repente que tudo que eu
segurava era um acessório cênico que imitava muito mal a forma que
orelhas de coelho deveriam ter. Meu melhor amigo tirou as orelhas de sua
cabeça e tentou desamassar o que eu fizera, enquanto me olhava com uma
expressão mais do que preocupada. Era como se tivesse pena de
mim. “Liam, você está...”, mas ele nunca chegou a terminar a pergunta,
pois eu saí correndo dali. Precisava fugir para longe de tudo. Precisava
de algum choque de realidade.
Corri e só parei quando não havia
mais fôlego em meu pulmão. Sentei no chão e demorei a perceber que havia
lágrimas em meus olhos. O corredor dos armários parecia normal e
deserto, mas minha mente parecia ter entrado em guerra consigo mesma,
como se duas partes de mim disputassem para decidir quem dominaria,
realidade ou alucinação. Enfiei a mão no bolso e tirei de lá a borracha
que Niall me dera, tentando ver nela uma borracha, mas tudo que meus
olhos compreendiam era o broche de ouro que me fora entregue por
Knutbark. As coisas se tornavam cada vez mais complicadas de serem
entendidas, mas cada vez menos meu cérebro parecia exigir uma
explicação. Ouvi passos, mas sequer me dei ao trabalho de erguer os
olhos. Sabia que deveria ser Louis que me seguira desde o auditório para
ver se eu estava bem.
“Você ainda não percebeu, não é?”, a voz,
entretanto, não era a de Louis. Harry Styles, o principal ator do clube
de teatro da escola, olhava para mim com curiosidade e um sorriso
enigmático digno da fantasia de Gato de Cheshire que ele trajava. O
garoto sempre tinha aquela expressão marota e despreocupada, como a de
alguém que está na vida para viver e aproveitar cada segundo sem pensar
no amanhã. Ele era o tipo de pessoa que perde o amigo, mas não a piada.
“O
que eu não percebi?”, eu perguntei a ele sem entender o que ele quisera
dizer, mas ele apenas acenou negativamente com a cabeça, como quem ri
de alguma anedota particular.
“Até mesmo o mais bravio dos
guerreiros, ao despertar, é como a borboleta a sair da crisálida.”, ele
enunciou com um tom de voz que remetia a algum tipo de saber ancestral,
tecido pela experiência das aventuras de várias vidas, “Ela deve alçar
sozinha seu primeiro voo, sem ajuda, senão morrerá assim que bater as
asas.”, ele completou e se despediu sorrindo. E mesmo que eu quisesse
evitar, enquanto ele se afastava de mim, pude ouvir claramente o som de
cascos batendo contra o piso de linóleo do corredor.
As horas que
se seguiram passaram como um borrão de cores, luzes, formas e cheiros
que não existiam. Voltei para casa mais cedo do que o normal, lutando
para manter minha mente ligada à realidade para não me chocar com algum
carro enquanto pedalava pela estrada velha. Minha mãe e Ruth pareceram
perceber que havia algo de errado quando cheguei em casa, mas eu não
podia ficar perto delas, pois a imaginação que lhes escapava pelas
orelhas ganhava formas diante dos meus olhos. Nada mais pude fazer que
me trancar no quarto e me esconder sob a coberta, ocultando-me dos meus
próprios sentidos, que eram o que eu mais temia. Eu lutava desesperado
contra os gritos de guerra e os urros que partiam dos desenhos que
criavam vida diante da minha cama, tentando não ver os brilhos coloridos
das armaduras que se refletiam sobre o tecido da colcha sob a qual eu
buscava refúgio.
Eu me agarrava ao tecido de lã, como quem se
agarra desesperadamente a um bote de salvamento chamado razão. A
sanidade me escapava entre os dedos conforme a luz do dia escapava
através do pôr-do-sol vermelho que invadia, em convite, meu quarto pela
janela, tentando desafiar minha resistência vã às alucinações para me
levar de vez ao mundo do impossível.
Foi quando eu o ouvi.
O
relinchar alto como um trovão correu a casa toda e me fez ter a
sensação de que o assoalho inteiro se sacudia, como que pela ação de um
terremoto. Os desenhos se silenciaram na parede, como se a expectativa
que aquele som causara os congelasse no tempo. A luz rosada que cruzava
minha janela parecia muita vezes mais intensa do que a luminosidade
normal do fim do dia. Era como se o sol poente estivesse parado em meu
jardim a me esperar. E ele me chamava com outro som que pareceu sacudir
minha consciência. Aproximei-me da vidraça e pude ver, lá embaixo, ele a
me esperar. Eu o havia conhecido naquela manhã, mas sabia que ele me
pertencia. A pessoa que me dera ele fora bem clara.
“É para
você”, Ruth me dissera e eu tinha certeza de que podia confiar nele.
Nada que minha irmã houvesse feito para mim iria me ferir. Não sei
exatamente como eu saltei pela janela do terceiro andar e parei de pé,
intacto ao lado dele, mas sabia que naquele instante meus dedos
acariciavam o pelo macio como a relva das Terras do Sem Fim daquele
unicórnio que brilhava com a cor rosada do crepúsculo. E foi como se eu
soubesse o que fazer naquele momento. Ele fora feito para que eu o
cavalgasse. E era meu dever. naquele instante, montá-lo.
Cruzamos
a trilha da floresta em tal velocidade que sequer o carro novo que meu
pai tencionava comprar poderia nos alcançar. As árvores ao nosso redor
aos poucos iam se parecendo mais com grandes pilares de luz e vida,
iluminados com lâmpadas de cores em forma de flor que subiam por elas
como ramos de erva. Avançamos pela trilha para além do ponto onde eu
encontrara Zayn por acaso, invadindo o coração da floresta, cruzando o
vento que tinha o aroma doce das aventuras e da terra a ser desbravada.
Minha alma parecia se iluminar conforme eu sentia outras luzes arderem
pela floresta, todas confluindo para o ponto ao qual eu me dirigia com
minha montaria fantástica. Era como se todos compartilhássemos a mesma
natureza e a mesma matéria.
O unicórnio trotou e parou à margem
de uma clareira, cujos limites eram claramente delimitados por uma série
de pequenos cogumelos que pareciam dotados de alguma magia
sobrenatural. A forma perfeitamente circular se impunha aos meus olhos e
eu sorri ao reconhecer do que se tratava. “Um Círculo de Fadas...”,
sorri e caminhei lentamente para onde a festa se principiava.
Pontos
de luzes coloridas ziguezagueavam pelos ares, se chocavam e explodiam
em pequenas cascatas de fogos de artifício, que se recompunham e
voltavam a cruzar o céu como estrelas cadentes. A música das eras
ressoava, como se vinda de todos os lados, como se não só os tambores e
instrumentos feitos de luz e sonhos a entoassem, mas também as próprias
almas da árvores que pareciam despertar de um sono secular e bailavam à
margem da clareira. O cheiro característico das sobremesas feitas da
nata da via láctea invadia minhas narinas, trazendo-me recordações de
cantorias heroicas regadas a hidromel extraído diretamente do Grande
Carvalho da Vida.
Por todos os lados, seres fantásticos cantavam
seus cantos e bailavam suas danças, criaturas que a humanidade pensara
terem sido esquecidas, mas que viviam entre eles sem que percebessem. No
rosto de cada fada ali presente eu reconhecia de algum modo alguém que
eu já vira no mercado, na rua ou em qualquer lugar comum, pessoas que
pareceriam ordinárias se não fossem seus sorrisos sinceros e o brilho
sonhador de seus olhos. Knutbark, o Boggan – ou fada doméstica – que eu
salvara mais cedo de ser devorado por um Redcap me cumprimentava com seu
sotaque irlandês enquanto pegava do meu bolso o broche que me dera e
afixava em meu peito. Trickpoof, o Pooka que era meu amigo de infância,
oscilava entre a aparência mais humana e seu rosto de coelho branco e
sorridente enquanto comia mais uma de suas cenouras, como se o êxtase
por me ver fosse grande demais para que ele conseguisse manter uma única
forma. No meio dos celebrantes Eufranor, o Sátiro que era o Gato de
Cheshire da peça da escola, acenava para mim enquanto tocava em sua
flauta as delícias de viver no Sonho.
Todos celebravam por um
motivo especial. Comemoravam mais um pedaço do Sonho que se juntara
novamente ao convívio deles, mais uma das fadas que despertara enfim do
casulo de mortalidade em que se escondera para se proteger da fria e
cruel descrença das pessoas, da banalidade do mundo. Festejavam por mais
um fio de esperança que se adicionara à teia dos sonhos, por mais um
irmão perdido que se juntava a eles para manter viva a memória e a
existência de todas as fadas do mundo. Aquela festa era para mim.
“Quem
é este que se adentra o Domínio de Lord Quinn du Adalrich?”, o nobre
Sidhe que eu sabia ser Zayn estava sentado em seu trono vivo, feito de
uma árvore nascida da semente das estrelas, posto na posição de destaque
na festa. As vestes tecidas de sol e estrelas dele brilhavam quando me
aproximei e me pus de joelhos a seus pés. “Dize teu nome, guerreiro, e
deposita em mim o voto de confiança que em ti depositei ao te permitir
entrar em meu Domínio”, ele disse em sua voz soberana de nobre fada
enquanto eu me sentia maior do que jamais fora, mais forte do que jamais
me sentira, a pele azul refletindo a luz do fim do dia sob a armadura
de ossos de dragão que eu sempre trajara sem o perceber.
“Eu sou
Killian, meu Senhor, portador da Lâmina do Luar.”, a espada que
desembainhei foi posta por mim aos pés de Lord Quinn, enquanto eu lhe
prestava uma reverência. “O Matador dos Lobos de Eurie, Aquele que
cavalga o Vento Leste, e venho a vós prestar-me a vosso serviço,
Milorde.”
“Que assim o seja, Sir Killian.”, assim ele me
reconheceu como seu servidor e cavaleiro, dando início às festividades
que comemoravam a filiação de um novo guerreiro Troll às armas de Lord
Quinn. A música e a festa se estenderam noite adentro, os sons da
fantasia avivando a floresta enquanto os humanos dormiam sem suspeitar
de nossa comemoração secreta, ou sequer de nós, que guardamos seus
sonhos.
A partir daquele dia em que eu me lembrei de quem era,
não precisei mais fugir de alucinações. Não me senti mais oprimido pela
descrença fria e desoladora de meu pai ou do Sr. Cowell. Não precisei
mais me preocupar com a possibilidade estar enlouquecendo, pois eu sabia
que não estava. Eu sabia quem eu deveria ser.
Eu era Sir
Killian, um Troll, uma fada guerreira que, quando as ligações entre o
Sonho e a humanidade se romperam, ingressou no caminho changeling
para sobreviver à Banalidade do mundo mundano, inserindo minha alma
fada em um casulo de carne mortal, compartilhando corpos com mortais,
renascendo através das gerações para manter o Sonho vivo. Era era um
pedaço da magia da imaginação humana, um filho do Sonho. Era mortal e
imortal, feérico e humano, vivendo entre dois mundos distintos e ligados
sem que as pessoas sequer pudessem desconfiar. E agora eu poderia
escolher o melhor deles.
"Às vezes eu penso em
uma cidade. E em caixas de concretos onde pessoas sem perspectiva vivem
vidas sem sentido ou emoção, seguindo caminhos que jamais escolheriam
para si se algum dia houvessem sonhado com o mundo de maravilhas que
poderiam encontrar se apenas assim o quisessem. Essas pessoas nada mais
são que sombras do que poderiam ter sido, marcas de solidão e uma
descrença desesperante projetadas na parede. Esqueceram a beleza do
mundo, perderam a vontade de viverem e serem livres. Presas a destinos
que não escolheram, fabricados como as latas de comida industrial que
consomem com sonhos vendidos em caixas de metal, vidro e plástico.
Sonhos não foram feitos para serem vendidos, ou para jazerem presos em
caixas frias e sem vida. Tais pessoas esqueceram a alegria que tinham
quando, ainda pequenas, contavam e ouviam histórias sobre tempos
imemoriáveis e aventuras impossíveis. Perderam a fé no inacreditável.
Esqueceram como sonhar.
Por isso me alegro ao fechar os olhos. Pois posso sonhar. Não sou um deles."
Esse mês falaremos com um escritor que já é reconhecido no fórum, mas que apenas esse mês teve seu talento reconhecido por uma medalha do nosso Concurso: Thife
Need For Fic: Qual foi a sua inspiração para essa fic? Quer dizer, de onde veio a ideia louca para isso?
Bem, eu sou fã do universo de Changeling: The Dreaming
já há algum tempo e o que sempre me encantou nesse jogo era a ideia de
que sonhar é algo importante para mantermos a esperança no mundo. Desde
que eu comecei a surtar com One Direction, eu sempre achei
curioso como as personalidades dos garotos da banda se assemelhavam aos
conceitos dos tipos de fada e, bem, assim que eu bati o olho no tema do
Concurso eu senti aquela sensação de "Eu tenho que escrever sobre isso"
e, não sei o porquê, mas em nenhuma participação anterior nos concursos
eu tinha estado tão confiante a respeito de um texto. Talvez tenha algo a
ver com a temática ou a mensagem que eu queria e precisava passar. O
que é ser um changeling senão lutar contra a mesmice e a desesperança do
cotidiano e e fugir da realidade em busca de sonhos e fantasias? E não é
exatamente disso que se trata escrever? De certo modo eu precisava
escrever isso para o concurso porque é uma fic sobre o que eu acho de
mais especial e fascinante aqui, no NFF, uma espécie de homenagem
indireta ou algo do tipo.
Need For Fic: Como você se sente com sua primeira medalha?
Sabe
aquela sensação de "Caraca, não é que eu acertei dessa vez"? É algo
como isso. É uma sensação muito boa quando você faz alguma coisa com um
objetivo e vê que conseguiu, que alguém reconheceu seu esforço e achou
que você foi o melhor. Acho que é a primeira vez que eu ganho alguma
coisa por causa de algo que eu gosto de fazer e isso é
recompensador. A sensação de ter o mérito por si só vale o esforço de
ter escrito e revisado tantas vezes aquele texto, não mais que os
comentários que eu recebi e, aliás, leiam e comentem as fics que vocês
lerem, ok? *momento propaganda política*
Need For Fic: Qual fandom você nunca escreveu mas tem vontade de escrever?
Um
fandom que eu nunca escrevi? Tipo, Cavaleiros do Zodíaco é um que eu
estava pretendendo me aventurar a curto prazo, mas eu já comecei a
escrever uma fic, só estou com um bloqueio danado para terminá-la, então
acho que não conta. Posso dizer o mesmo de Brothers&Sisters já que,
descontando o parágrafo do Faça um parágrafo eu só tenho uma
fanfic meio-escrita. Acho que meu desafio seguinte seria escrever algo
de Crônicas de Nárnia ou de O Livro das Estrelas, que é uma série que
muito me encanta, mas muito pouco conhecida aqui no Brasil e que acho
que nem contar como fandom conta.
Need For Fic: Fale um pouco sobre a sua trajetória antes e depois do NFF.
Bem,
eu gosto de inventar histórias desde que me entendo por gente. Antes
mesmo de virar um fã incondicional de leitura, eu gostava de inventar
histórias com super-heróis com meus amigos ou contos de fadas para a
minha prima, quando ela era pequena. Na sexta-série eu cheguei a
produzir uma tiragem quase regular de pequenas histórias em
quadrinhos e distribuir pela turma. Com edição quinzenal e tudo mais.
Foi mais ou menos nessa época em que eu comecei a ler por puro gosto,
meio que incentivado por uma professora minha e pelo "boom" de Harry
Potter, aí daí em diante ler e escrever viraram coisas fundamentais na
minha vida. Eu escrevi algumas peças para a igreja e para um concurso
escolar e tenho até hoje guardada uma história sobre um menino bruxo
(sim, eu escrevi algo no estilo Harry Potter de ser quando era mais
novo) em uma das gavetas do meu quarto (aliás, parada no capítulo 5
porque, um dia eu descubro o motivo, eu tenho um bloqueio místico com o
capítulo 5). Fanfics são uma coisa bem recente para mim, geralmente eu
me arriscava mais a tentar escrever algo original e só fui tentar
escrever histórias sobre meus personagens favoritos a partir do primeiro
ano de faculdade. Só cheguei a publicar uma fanfic antes de vir para o
NFF e foi através dela, aliás, que a Marcia me descobriu perdido lá no
ff.net. Desde então eu virei um fic whore que não consegue ficar mais do
que alguns dias sem escrever nada, shippa todo mundo com o mundo todo e
adora inventar moda na hora de escrever fics (Poesia Concreta e
Wikipédia, digam oi). Bem, acho que o resto a maioria do povo já sabe.
Quanto à minha trajetória depois daqui, eu espero sinceramente que não haja um depois,
mas daqui para frente, além de continuar escrevendo fics e esperando
ansiosamente que vocês as leiam, pretendo um dia terminar de escrever um
livro, porque sou brasileiro e não desisto nunca.
Por fim, que mensagem gostaria de deixar para as pessoas do fórum?
Acho que a grande mensagem que eu queria passar eu consegui passar com Crisálida.
Mas, para quem não leu, aí vai ela de novo: Não importa o quanto a vida
pareça sempre a mesma e as coisas sejam sempre iguais e frustrantes,
você pode mudar isso. Estamos acostumados demais com nosso mundo
pós-moderno em que as coisas que devemos querer ser e as que devemos
querer ter são vendidas para nós através de caixinhas de plástico, metal
e vidro e outdoors multimilionários. A maior parte do tempo tudo parece
querer tirar nosso ar e quando você diz para alguém que gostaria de ser
um astronauta, escritor, poeta ou qualquer coisa do tipo, as pessoas
riem da sua cara e acham que isso é besteira, certo? Errado. Nada disso é
besteira. Ninguém precisa ser sempre a mesma coisa e querer aquilo que
todo mundo quer ou que é fácil de conseguir. Uma coisa importante que se
aprende na faculdade de Letras é: Literatura é uma forma de
resistência. E, eu digo mais, é uma forma de sonhar. Sonhem, inventem,
criem, lutem e não se rendam ao marasmo ou à desesperança, futilidade e
banalidade do mundo. Há um jeito de enfrentar esse marasmo pós-moderno e
vocês são parte disso quando lêem e comentam uma história de alguém ou
quando escrevem uma fic. Fugir da realidade não é ruim. É um jeito de
torná-la melhor.
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CUMADI!!!!!!!!!! :paris: :horror: :horror: :horror: :horror: :horror:
ResponderExcluirQue entrevista mais linda... :emux:
Quer dizer que voce só fez UMA fanfic antes de entrar no NFF, e agora voce é essa bazuca atirando textos sem fim (maravilhosos, diga-se de passagem)????
Isso foi lindo... :emuxsemparar:
Adorei a sua mensagem, a sua entrevista como um todo...
Agora só falta eu ler a sua Crisálida, né?? :nho:
Beijão e sucesso em sua vida, garoto!!!
Não lembro nem mais em que conta do Google eu estou logado (~le dono de mais de 40 contas google)
ResponderExcluirMas, sim, eu só tinha escrito uma fanfic antes de entrar no NFF que, aliás, eu republiquei aqui e ainda está incompleta, veja só D:
E eu adorei a comparação com uma bazuca, porque eu ri demais com isso :hebe:
E que bom que gostou da mensagem e da entrevista e... VOCÊ AINDA NÃO LEU? D:
T_T
Vou ali chorar, ok? T_T
"Foi mais ou menos nessa época em que eu comecei a ler por puro gosto, meio que incentivado por uma professora minha e pelo "boom" de Harry Potter, aí daí em diante ler e escrever viraram coisas fundamentais na minha vida."
ResponderExcluirQue lindo, o meu gosto por leitura também começou por causa de Harry Potter! É tão lindo ver que uma saga participou não só do crescimento de uma geração como também incentivou a uma hábito tão lindo como a leitura *--*
Adorei a sua entrevista, Thife! Em pensar que foi usando o nosso surto atual, o 1D, então eu fico duas vezes feliz! kkkkkk
Parabéns, você com certeza mereceu esse prêmio, você escreve MUITO! E é sempre bom receber o merecido reconhecimento de vez em quando!]
E eu também to devendo a leitura da fic, mas é por pouco tempo. Eu lerei em breve!
Beijo :)
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