3 de março de 2012

Concurso I/2012: "Mia"

Título: Mia
Autor: Cahnove
Categoria: Concurso NFF I/2012, Morte/cena triste/separação, História Nova, Slash (M/M), POV
Advertências: Tentativa de estupro, loucura
Classificação: R
Capítulos: 1 (one shot)
Completa: [X] Yes [ ] No
Resumo: "Sabe? Lidar com a morte é bem mais fácil (...) quando se tem boa companhia."
N/A: Me foquei no tema Morte. Faz um bom tempo que não escrevo uma original, mas decidi arriscar, tratando a morte de uma maneira um tanto mais... Bem-humorada. E fantasiosa, é claro. Espero que gostem!

Capítulo Único

Lembro bem do dia em que você bateu na porta de casa. Eu morava num chalé afastado da cidade, decorado a dedo. Era confortável, calmo. Era tudo que um escritor precisava. Pelo menos, era tudo que um escritor da minha idade necessitava. Dia frio. Senti as juntas dos meus dedos doendo quando, de súbito, levantei da minha poltrona, abandonando o texto que antes escrevia com tanto afoito na minha companheira máquina de escrever. Soltei um xingamento bastante alto, me lembro. Odiava que me interrompessem. Juro que não sabia o que iria encontrar batendo-me à porta. Não sabia que iria te encontrar.

Tu sorrias com o sorriso mais bonito que eu já vira em anos e seus olhos brilhavam como se estivesses realmente feliz em me encontrar, mesmo que eu não tivesse idéia de quem tu fosses.

- Quem é você, meu jovem? – odiava colocar essas duas palavras no final de uma frase. Geralmente me faziam sentir mais velho do que eu realmente era. Mas elas sempre pareciam corretas. Por mais que me custasse admitir, eu estava velho. Os cabelos brancos enfeitavam minha nuca e, também, já começavam a cair. Todas aquelas rugas que marcavam meu rosto, os olhos que mal conseguiam ver de perto.

Você me chamou pelo nome e eu assenti, permitindo que entrasse. Dizia-se jornalista e procurava uma entrevista com um dos mais marcantes escritores do país. Não era a primeira e nem seria a última pessoa a tentar me enganar. Julgo que os jovens falham nesse quesito, julgando os mais velhos, como nós, ignorantes, achando que vamos acreditar em tudo que falam. Somos um pouco mais inteligentes que isso, meu caro. Mesmo assim, assenti. Tu eras deveras jovem para ser um jornalista, mas ignorei. Sentia falta de ter alguém na casa. Desde que... Ele havia partido, me sentia solitário. Afogava, então, meus sentimentos em rapazes jovens como "o jornalista".

Você fez uma série de perguntas sem fundamento. Fui tentando responder todas calmamente, assentindo de vez em quando, tentando dar a entender que estava interessado. Não estava, que fique bem claro. Estava mais interessado em memorizar cada traço de seu rosto, cada fio de seu cabelo, cada detalhe do seu corpo jovem.

- Sei que não é jornalista – murmurei depois de um tempo, interrompendo-o quando você finalmente iria me perguntar de minha opção sexual, coisa da qual nunca gostei muito de falar, apesar de aceitá-la completamente.

Ele pareceu confuso. Logo ficou vermelho de vergonha, se entregando completamente. Soltei uma risada calma e pedi para que não se preocupasse.

- O que desejavas vindo aqui? – perguntei, calmamente. Tu então olhas pra mim e diz que simplesmente não tinha lugar nenhum para ir. Clichê? Um pouco. Estou acostumado com essas desculpas, pois já ensaiei cada uma delas para colocar em livros, vendo se elas são convincentes. Preciso que minhas personagens sejam humanas, que saiam das páginas e venham sussurrar-lhe ao ouvido as palavras que eu coloquei em suas bocas.

Disse que precisava de alguém para me ajudar.

- Entenda – comecei dizendo – Sou um velho. Preciso de alguém para fazer alguns deveres para mim e me ajudar a pensar, de vez em quando. Geralmente discuto minhas idéias sozinho, mas ter alguém por perto seria... Perfeito.

Era uma oportunidade. Eu pagava bem, afinal.

Alguns dias depois, num final de tarde, comecei a escrever sobre a vida. É irônico o quanto as pessoas da minha idade, depois de terem quase toda a vida drenada do corpo, insistem em escrever sobre ela.

Respirei fundo. Desculpe se faço uma pausa aqui. Contar histórias que realmente aconteceram comigo me deixam um pouco nostálgico. Vês? Uma lágrima caiu de meus olhos, apenas porque estou olhando esse maldito túmulo. Penso, agora, qual a razão de ficar contando essa história daqui, no cemitério, se ele apenas traz péssimas lembranças?

Voltando... Onde estava? Ah, sim. A vida. Lembro de vê-lo chegando ao meu lado e colocando uma xícara de chá sobre a mesa. Puxou uma cadeira, petulante, para sentar-se ao meu lado. Começou a ler o que eu antes escrevia.

- Pensas que vai morrer? – pergunta-me. Eu encaro seus olhos verdes por algum tempo, sem saber como dar uma resposta.

- Todos nós vamos mo...

- Tente dar uma resposta mais original – faz uma pausa – Pensas que vai morrer?

Tirei um tempo para pensar, encarando-o, sentindo sua mão segurar a minha e apertá-la, como que para me encorajar a dizer o que eu pensava.

- Não, eu não diria isso – expliquei – É que às vezes apenas não acho motivo para viver.

Ele apertou ainda mais minha mão. Surpreendentemente, você consegue me fazer sentir coisas que nem eu sabia que existiam. Do jeito que elenunca conseguiu. Talvez seja por isso que ele tenha partido. Sim, agora que penso, talvez seja isso mesmo.

Eu não havia tentado nada com você até o momento. Era apenas um garoto, o que poderia entender de mim?

Escrevo desde que me entendo por gente. Quero dizer, desde que era apenas um garoto, sempre escrevi. E meus momentos mais negros foram quando estava apaixonado. Geralmente não me apaixono. Como sempre disse, minha grande paixão sempre foi a escrita. Mas, nos poucos momentos da minha vida em que senti desejo por alguém, meus textos sempre ficavam piores, mais sombrios, sem sentido. Você intensificou isso, sabe?

Eu te queria, te desejava. Tratava de expor tudo o que sentia através de minha escrita e me surpreendia com as constantes cenas de sexo que insistia em colocar no texto. Você se sentava ao meu lado, trazendo-me uma xícara de chá e lia o que eu escrevia, sempre com seu típico bom humor.

- Eles transam como coelhos, não? – e riu.

Lembro bem de minhas personagens. Tinha o rapaz, um tipo de galã de filmes antigos, e a mocinha, Mia, tão bela quanto inocente. Bem, não mais.Ele a havia sujado de todas as maneiras possíveis. Queria manchar a inocência.

E como não podia realizar meus desejos na vida real, afogava-os todos na ficção. Assumo que já havia feito isso outras vezes, mas essa fora a que eu mais me entregara.

Mia era uma personagem bela, de olhos azuis, e, por mais que nunca tenha tido muito interesse em mulheres, era meu tipo. Era meu tipo porque era igual a você. Os cabelos, os traços, até a maneira inocente de falar. E eu queria tanto te sujar.

E te sujei, não é? Olhar para túmulos sempre me deixa melancólico. Costumava evitar cemitérios, antes daquilo.

Lembro do meu galã. Lembro de como ele se corrompeu, de como a cada dia foi ficando mais e mais louco de amores por Mia. Mia era a perfeição. Simplesmente minha melhor personagem. Ela era viva. Saía dos papéis, algumas noites, enquanto estava deitado em minha cama e seduzia-me. E eu a agarrava sem escrúpulos e jogava-a na cama, possuindo-a. Seus gemidos de prazer podiam ser ouvidos de longe. Era minha. Minha melhor criação, a única coisa perfeita que eu conseguira criar com meus dedos.

Ela vinha de vez em quando e colocava uma xícara de chá ao meu lado enquanto eu escrevia, puxava uma cadeira e punha-se a ler. Então eu me virava e encarava seus olhos azuis e seu lindo sorriso e ignorava todas aquelas noites quentes no meu quarto. Sabia que ela lembrava-se, trocávamos olhares cúmplices com freqüência.

Mas naquele dia foi diferente. Terminei de escrever a história sobre Mia e, quando ela sentou-se do meu lado, entregando-me uma xícara de chá e lendo a última palavra da folha (e também da história), um grande FIM, em letras maiúsculas, perguntou-me:

- Cansou de escrever sobre ela?

Ela? E por um segundo te enxerguei novamente. Tu não eras ela. Eras, se me permite dizer, infinitamente mais bonito. Tu eras vivo.

- Como pude...? – pensei alto. Tu permanecias a me encarar, parecendo levemente confuso – Como pude fazer isso com você?

Passei uma de minhas mãos enrugadas no seu rosto e confundi-te novamente com ela. Ela estava a sorrir para mim, provocante, como sempre fazia quando queria que eu tomasse sua boca e a invadisse, violando-a das piores maneiras imagináveis.

- Está tudo bem? – tu perguntas. Fecho os olhos, tentando mandá-la para longe.

Impossível.

Agarro-te, segurando seus braços enquanto ataco sua boca com um beijo. Tu tentas desvencilhar-te, mas eu o seguro ainda mais forte, já abrindo suas calças.

- Mia, minha Mia – sussurro, beijando-lhe o pescoço.

E você vai se afastando cada vez mais.

Me perdoe, me perdoe. Cada vez que penso em como estava errado, em quanto sofrimento lhe causei, me sinto pior.

- Você está louco! – exclama, finalmente se afastando de mim e correndo para o outro lado da sala, onde eu guardava minhas bebidas.

- Mia, por que foges de mim? – agarro-te novamente, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa contra você, sinto algo em minha nuca. Uma dor horrível que, então, se torna confortável, um tanto quente. Úmida.

E eu caio.

As lágrimas nos seus olhos enquanto você diz repetidamente “perdão, perdão”. Coloca as mãos no meu pescoço e depois encara as próprias mãos manchadas de vermelho, chorando como nunca. Encaro-te pela última vez e lembro-me de como sempre me entregava uma xícara de chá quando eu estava escrevendo. Não podia ter te confundido com ela, nunca. Tu és inocente e, agora via em seus olhos, como nunca havia visto antes em ninguém, que me amavas. E nem precisavas de palavras para expressar aquilo. E seu amor era inocente, como o dela nunca haveria de ser, como o meu nunca havia sido.

- Eu não deveria ter te confundido com ela – disse, finalmente – Eu sabia como ia acabar.

Lembro de ter fechado os olhos, fraco, mas ainda vivo. Ouço você se aproximando da máquina de escrever e arrancando a última folha enquanto lia. Meu galã, dominado de desejo, tenta tomá-la à força e, como nunca a criei para ser inocente, ela o mata. Era um final bom, não? Dramático na medida certa. Analisei todos os ângulos possíveis vendo se era clichê ou não e cheguei à conclusão que não. Mas ali estava eu, deitado, morto. E eu sempre tentei, em minhas histórias, fazer um retrato da vida, e finalmente havia conseguido.

Odeio olhar túmulos... Sempre me deixam melancólicos. Principalmente quando é o meu próprio. Você aparece aqui algumas vezes e coloca uma flor sobre o mesmo e lamenta por alguns segundos antes de ir embora. E eu me sinto feliz por poder te ver. Não ligo muito para as outras pessoas que vem me visitar, mas você... Você é outra história.

E então tu apareces aqui hoje, enquanto estou sentado sobre minha lápide, e olha para meu nome escrito na mesma, respira fundo, e deixa sobre a terra um livro. E eu sabia exatamente que livro era. Sorrio para você por um momento, mesmo que não possa me ver, e, enquanto você se vira para ir embora, ando ao seu lado. Tu sentes uma brisa fria à tua direita e se cobre melhor com seu casaco. Eu rio. Você lida com a morte à sua maneira, tão complicada, vindo me trazer flores semanalmente, achando que, de onde quer que eu estivesse, eu estaria me importando. E ali estava eu, rindo de teu comportamento.

Sabe? Lidar com a morte é bem mais fácil quando se está morto. E quando se tem boa companhia.

Ouço uma risada do meu lado e me viro, sorrindo, para encarar seus olhos azuis.

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Nesse mês tivemos uma história original no topo do nosso pódio, escrita pela nossa querida cahnove, que nos proporcionou a entrevista desse bimestre.

Need For Fic: Qual foi a sua inspiração para essa fic?
Eu sempre gostei de histórias de fantasmas. Eu escrevia quando era menor (quanto tinha 7 ou 8 anos), mas foi apenas agora que decidi escrever uma mais "séria". Na última vez que eu escrevi para o Concurso, com a fic A Acrobata, eu tinha acabado de ler Coisas Frágeis que é um livro de contos do Neil Gaiman. Esse livro sempre me dá inspiração. Quando escrevi Mia, eu tinha acabado de ler Coisas Frágeis 2, e surgiu o mesmo surto de inspiração. Escrevi essa história em, mais ou menos, uns 50 minutos, num dia que tinha acordado cedo demais, e, admito, ficou bastante diferente das coisas que eu geralmente escrevo e eu fiquei pensando o tempo todo que ninguém iria gostar, porque, sinceramente, era uma história estranha até para mim. Também assisti um filme chamado Deuses e Monstros, com o Ian McKellen, que interpreta um velho diretor de cinema homossexual. Acho que nunca teria a ideia se não fosse esse filme.

Need For Fic: O personagem dessa fic é um escritor, como a gente. Você se sente relacionada a ele de alguma forma, nessa confusão entre o que é real e ilusório?
Eu AMO escrever sobre escritores. Geralmente meus escritores são mais boêmios do que devem ser, mas me agrado com eles. Mas não, não me relaciono com a personagem. Procuro me afastar o máximo possível de meus personagens para não me apegar a eles. É difícil, por exemplo, matar alguma personagem que você criou carinho. Mas admito que, nos costumes de escrita, somos quase iguais. A maneira com que o escritor não gostava de ser interrompido, ou, como disse no texto, "preciso que minhas personagens sejam humanas, que saiam das páginas e venham sussurrar-lhe ao ouvido as palavras que eu coloquei em suas bocas." Mas não gosto que as pessoas fiquem do meu lado quando estou escrevendo...

Need For Fic: Qual fandom você nunca escreveu mas tem vontade de escrever?
Acho que essa é a pergunta mais difícil de todas. Eu procuro escrever sobre TUDO que tenho vontade. Eu não posso assistir um filme que já fico com vontade de escrever sobre ele, nem que seja um parágrafo... Mas nem sempre posto. Mas, bem, me agrado com fandoms desconhecidos, e assisti um filme canadense chamado "Eu Matei Minha Mãe" e estou louca para escrever sobre ele.

Need For Fic: Fale um pouco sobre a sua trajetória antes e depois do NFF.
Eu costumava escrever para o animespirit.net (embora nunca tenha gostado muito de lá). Daí passei para o Nyah! Eu tinha minha conta normal por lá, que já não uso mais, e um pseudônimo, que uso até hoje. Infelizmente, gosto de poucos autores/leitores no Nyah! também. Aqui eu encontro ótimos escritores e, também, ótimos leitores. Tenho de admitir que cresci muito aqui. Tenho de agradecer MUITO a Hannah por ter me convidado para participar da Gincana de dois anos atrás, e a Ladie e ao Wateru, que entraram comigo e são dois dos melhores escritores que eu conheço.

Por fim, que mensagem gostaria de deixar para as pessoas do fórum?
Certo, ESSA é a pergunta mais difícil. Eu não sei o que dizer, estou no fórum há um ano e meio e ainda me sinto tão nova por aqui. Apenas quero dizer que esse é o melhor fórum de fanfics e histórias que já participei, com os melhores e mais comentaristas leitores e alguns dos melhores escritores do mundo. Me sinto orgulhosa de fazer parte.